PARASHAT MISHPATIM
B”H
Parashat Mishpatim (Shemot 21:1-24:18)
Mishpatim, em ivrit (hebraico), significa “Leis civis”, ou seja, uma categoria de normas que são básicas para a vida social, em família e em comunidade. Mishpatim não necessariamente estão ligadas às questões religiosas, mas ao relacionamento entre o homem e seu semelhante. Estas leis são compreensíveis, isto é, racionais em essência e a razão de existência delas é facilmente reconhecida, bem como a sua prática e utilidade.
A Parasha contém um número significativo de leis daquela e outras categorias como: Mitsvot e “Chukim”, leis ligadas ao âmbito espiritual e de avodá (serviço) HaShem, em outras palavras, leis que não, necessariamente, podemos identificar a sua razão de existência, respectivamente. Elas estão relacionadas à observação e cumprimento como um estatuto real, que expressa a autoridade e vontade do Soberano.
Relata também as leis para o escravo hebreu, o matrimonio da escrava hebreia e as leis de redenção destes escravos para serem libertos e quando libertos. Trata também das obrigações com esposas e respeito dos filhos aos pais. Contém normas de obrigação do tribunal de julgar leis de diversos casos, circunstâncias e danos variados, bem como o estabelecimento de múltiplas penas e juízos. Leis a respeito de decisões e julgamentos, contra a perversão da justiça, corrupção e suborno, contra a idolatria e feitiçaria.
Ainda, estão inseridas leis contra agressões familiar e social, proibições de maldições aos líderes e autoridades, opressão ao órfão, estrangeiro, à viúva e ao pobre. Contém também leis para ajuda aos necessitados com doações e empréstimos e leis de proibição de pagamento e recebimento de juros. Estão descritas, ainda, leis ligadas ao tratamento dos animais, de ingestão de animais treifá (não kasher), proibição de misturar a carne com leite, leis de sacrifícios e oferendas de Pessach e demais Yom Tovim (festas fixas).
Além de leis agrícolas para a observação da shemitá (descanso da terra) e guarda do Shabat. Leis sobre os dízimos dos produtos agrícolas, dádivas oferecidas nos Yom Tovim e separação das primícias ao Templo. Logo após a relação destas leis, a Parasha relata que Adonai diz a Moshe Rabeinu, que enviará um anjo que guiará Seu povo até Erets Yisrael afastando os inimigos para a conquista da terra. HaShem ordena a Moshe que suba ao Har Sinai, e designa Aaron e Hur como líderes que assumem no período de quarenta dias, enquanto Moshe estaria no Sinai recebendo a Torah, em tábuas e em revelações espirituais para todo Am Yisrael.
Por que estudamos todas as leis da Torah, mesmo aquelas cujo tema não subsiste em nosso tempo, como leis referentes aos escravos e leis de tipo juízo de pena capital? Qual seria a utilidade do estudo destas leis em nosso presente século?
O que a Parasha nos ensina hoje?
Quando estudamos estas diversas leis, não podemos somente nos limitar em meditá-las em sua perspectiva mais comum e literal. Contudo, devemos entender o raciocínio da Torah, de modo a nos ligar a aspectos mais profundo de ensino, não por meras regras ou diretrizes frias e sem alma, mas com entendimento e conteúdo segundo as leis da lógica espiritual, da qual ela perpassa. As Mitsvot da Torah se relacionam entre elas e todas estão ligadas a uma só essência, uma só revelação, uma só verdade que não é contraditória.
Antes de se aprofundar em qualquer dimensão espiritual que está imbuída a Palavra de HaShem, devemos nos conscientizar da essência de todas as Leis, mandamentos e estatutos. Ao perguntarem a Yeshua HaMashiach qual era a principal mitsvá, ele respondeu: “Amarás Adonai Eloheinu de todo coração, e de toda tua alma e de toda tua força. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profeta.” (Mt 22:37-40; cf. Lc 10:27). Yeshua repetiu um dito de Rabi Hilel ao fazer um paralelo entre dois passukim (Dt 6:5 e Lv 19:18b), sendo assim, Mashiach nos mostra a essência e a mais profunda motivação para o cumprimento da vontade Divina nas Mitsvot que corresponde ao amor.
O amor motiva o homem, a própria ação em direção ao Eterno, assim como também, o amor motiva HaShem em direção à humanidade, como está escrito: “Porque D’us amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça mais tenha a vida eterna. Porque D’us enviou seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele;” (Yohanam 3:16-17).
Esta Parasha contém diversas leis que podem, em uma análise superficial, não ter aplicação em nosso século. No entanto, ao estudarmos os mecanismos e a lógica da Torah poderemos transferi-los e aplicá-los nas circunstâncias em que vivemos. Há diversos mandamentos relacionados nesta porção que implicam em atos de bondade e misericórdia para com o semelhante. Atualmente, estas qualidades parecem estar muito distantes da realidade, como por exemplo, emprestar dinheiro sem cobrar juros. O poder do consumo exacerbado influencia nossa sociedade a se voltar ao egocentrismo, ao amor de si mesmo em detrimento ao próximo e a insensibilidade das necessidades e dor do semelhante.
As leis de ajuda aos necessitados, do respeito na família e com as autoridades, contra a corrupção e perversão da justiça, estas ideias parecem bem atuais e necessárias para os dias de hoje. A Toráh contém mitsvot que devemos estudar, de modo a aplicá-las à vida. As leis nos aproximam com bondade das pessoas e mostram, claramente, que a intenção do Criador está no amor entre o homem e sua companheira, família, comunidade e na reconciliação em ambas as partes. Amar a D’us, como principal mandamento e ao próximo, requer a disposição de negar a si mesmo para seguir a vontade de Divina, “quando encontrares o boi de teu inimigo ou seu asno perdido, devolvê-lo-as. Quando vires o asno daquele que te aborrece, prostrado debaixo de sua carga, não te recusarás a ajudá-lo; auxiliá-lo-as;” (Shemot 23:4,5). Neste caso, a lei obriga o ato de ajudar tanto o homem quanto o seu animal e a resposta deste cumprimento, na maioria dos casos, desemboca na reconciliação.
A Parábola do Samaritano, proferida por Yeshua, é emblemática para este conceito. No caminho para Yerushalaim um judeu estirado, vítima de salteadores foi socorrido por um samaritano. Este movido de íntima compaixão estendeu-lhe a mão e o salvou. Talvez mesmo sem saber, ele cumprira a mitsva que estava acima de qualquer problema de relacionamento entre os judeus e samaritanos. “Porque os que ouvem a lei não são justos diante de D’us, mas os que praticam a lei hão de ser justificados. Porque quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência e pensamentos, quer acusando-os quer defendendo-os;” (Romanim 2:13-15). Entretanto, os religiosos e estudantes da Torah que passaram e se esquivaram desta mitsva, deles se esperava uma atitude diferente, uma vez conhecedores da vontade Divina expressa nas Escrituras.
Quem hoje empresta dinheiro sem cobrar juros? Quem se sente na obrigação de ajudar o próximo, quando ele está em dificuldades múltiplas? Quem tira do que é seu sem esperar restituição?
O discurso de Yeshua se identifica muito com o conteúdo desta Parasha “[...] Tive sede, tive fome, estava preso e doente e não fostes me visitar”(Mattityahu 25: 35-36, nota do autor). No entanto mesmo na atualidade, entre os “conhecedores da Palavra” esta expectativa, como na parábola, se mostra uma suposição falsa com raras exceções. Yeshua denuncia a incapacidade de observar a essência da lei que se resume no amor a D’us e ao próximo. Assim o amor a D’us como motivação principal, e o amor ao próximo faz com que todas as barreiras caiam criando desta forma a harmonia e shalom entre os homens.
Os religiosos que passaram pelo caminho se desviaram, não de uma ameaça a sua pureza ritual, mas da própria vontade Divina e essência da lei que é o amor em suas diversas vertentes. Vemos claramente o conceito do legalismo e a religiosidade em oposição da santidade. O legalismo não se trata do cumprimento das leis por si só, mas ele cumpre ritos com o intuito de alcançar méritos diante de D’us para benefício próprio, seja para salvação ou bênçãos e prosperidade. A religiosidade se escora no esforço para satisfazer normas, as quais engessam e impedem uma flexibilidade de reflexão e ação para que a essência da mitsva, seja preservada e seu cumprimento seja realizado. “Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar e o atender melhor do que a gordura de carneiros;” (1Shemuel 15:22).
Em oposição ao legalismo, temos a ação do ser que foi transformado, “[...] que nasceu não do sangue, nem da vontade da carne ou do homem mas de D’us.” (Yochanan 1:13) Yeshua nos ensina que o amor a D’us e ao próximo depende toda a lei e os profetas, ou seja, todas as Escrituras Sagradas. O amor que implica no bem deve estar em conformidade com toda a revelação contida nas Escrituras. Muitos se esforçam em fazer o bem motivados pela compaixão para com a humanidade, mas se não estiverem em consonância com a Revelação Divina, em termos espirituais, não corresponderão a sua verdadeira essência em suas dimensões. Ainda que o mais sublime ato de amor, com práticas de bem ao semelhante, se for feito em nome de outro deus ou criatura, idolatria ou qualquer outra motivação estranha diante do Eterno restringe-se somente no âmbito terreno e temporal, o que causará consequências espirituais devastadoras no ambiente e pela eternidade.
Portanto, façamos o bem motivados pelo amor verdadeiro, no cumprimento das mitsvot, levando em conta toda a vontade Divina contida nas Escrituras, não de forma legalista, nem desconsiderando a verdade revelada para que possamos agir e fazer o bem em toda sua essência, que se resume no amor a D’us e ao próximo. É de extrema importância estudar e se aprofundar na Torah conhecer os diversos mandamentos e conceitos que ela expressa, pois ela nos revela o conteúdo como um todo, como peças de uma engrenagem onde todas as mitsvot e conceitos estão intimamente ligados por verdades eternas e não contraditórias entre si.
"Se a pessoa estudar Torah a fim de ensinar, a ela é dada a oportunidade de estudar e ensinar, mas se estuda a fim de praticar, a ela é dada a oportunidade de estudar, ensinar, proteger e praticar" (Pirkei Avot 4:5).
Rosh Yossef Chaim (Maurício) – B'rit Olam.